Como transformar o começo da leitura e da escrita em uma jornada possível, planejada e com resultados medidos em casa e na escola
A alfabetização de crianças com autismo demanda previsibilidade, objetivos claros e alinhamento entre família e escola. Não há um caminho único, mas há princípios sólidos que funcionam: ensino explícito de habilidades, encadeamento de passos simples, materiais visuais e avaliação contínua. Quando a casa e a escola trabalham com as mesmas estratégias, a criança encontra rotas estáveis para aprender. Nesse cenário, a alfabetização deixa de ser uma meta abstrata e passa a ser um conjunto de micro-hábitos diários, com metas verificáveis e adaptação constante às necessidades individuais. Assim, a leitura e a escrita avançam, e a participação social cresce junto.
1) Crie rotina visual e objetivos pequenos (microvitórias)
Antes de qualquer exercício, organize a previsibilidade. Monte um quadro diário com pictogramas ou fotos para mostrar “o que vem agora e o que vem depois”. Defina sessões curtas (5–10 minutos) com um único foco, como associar grafema–fonema ou reconhecer o próprio nome. Cada tarefa deve começar e terminar de modo claro, com reforços combinados previamente (elogio específico, pausa programada). Essa estrutura reduz ansiedade, eleva a atenção e permite medir o progresso de forma objetiva. Rotinas estáveis são o alicerce da intervenção precoce e sustentam o avanço de novas habilidades.
2) Use comunicação multimodal para ensinar leitura
A leitura nasce da comunicação. Combine fala, gestos, figuras, letras móveis, pranchas ou aplicativos de CAA (Comunicação Aumentativa e Alternativa). Quando a criança aponta o pictograma “água”, modele a palavra oral e a letra inicial, conectando significado e forma escrita. Em seguida, ofereça escolhas com duas palavras parecidas (ex.: “mala” e “mela”) para treinar atenção aos sons. O uso simultâneo de canais (visual, auditivo e tátil) cria pistas redundantes que facilitam a codificação e a lembrança. O objetivo é que a palavra seja compreendida, usada e, depois, decodificada — sempre partindo do que a criança quer dizer.
3) Ensine consciência fonológica e fonêmica de modo explícito
A ponte entre ouvir e escrever se chama consciência fonológica. Treine rimas, aliterações, segmentação silábica e, por fim, consciência fonêmica (os sons das letras). Faça jogos de bater palmas para sílabas, de trocar o som inicial e de “esticar” palavras (c-a-s-a). Associe cada fonema ao grafema com cartões grandes e, na sequência, monte palavras curtas que tenham significado para a criança (nomes de familiares, brinquedos). O ensino sistemático e cumulativo — reapresentando sons já aprendidos ao introduzir novos — acelera a alfabetização e reduz a frustração, porque o aluno percebe o próprio avanço.
4) Leve os interesses especiais para dentro das atividades
Interesses intensos podem ser motores de atenção. Se a criança gosta de dinossauros, use livros, figuras e palavras do tema para motivar. Monte listas de leitura com vocabulário do interesse e proponha escrita funcional: bilhetes, etiquetas, legendas de desenhos. Ao escolher textos curtos, com previsibilidade de estrutura e repetição controlada, você favorece fluência e compreensão. A cada leitura, faça perguntas literais (“quem?”, “o quê?”), depois perguntas inferenciais simples (“por que aconteceu?”). Assim, a criança aprende a ler para entender, não apenas a decodificar.
5) Garanta inclusão e alinhamento com a escola
A inclusão escolar não é um favor, é um direito. Reuniões periódicas com a equipe pedagógica definem metas, adaptações e responsabilidades. Peça um plano com objetivos específicos (ex.: reconhecer 10 palavras funcionais em oito semanas) e critérios de avaliação claros. Material ampliado, fontes legíveis, linhas de apoio e organizadores gráficos ajudam. Em paralelo, mantenha um caderno de comunicação escola–família para registrar o que funcionou e o que precisa de ajuste. Quando os ambientes convergem — mesmas palavras-alvo, mesma rotina de leitura — as aprendizagens se consolidam mais rápido.
Quando procurar apoio especializado
Se houver regressão de habilidades, resistência intensa a materiais de leitura ou dificuldades persistentes de atenção e linguagem, busque avaliação na Atenção Primária em Saúde e encaminhamento para equipe multiprofissional. A intervenção precoce melhora a resposta ao ensino e organiza o suporte necessário na escola e em casa. Informe-se em documentos oficiais de saúde e educação, evite promessas “milagrosas” e priorize abordagens com evidência científica.
Fontes:
- Organização Pan-Americana da Saúde/OMS — definição e características do TEA. PAHO
- Ministério da Saúde (Brasil) — orientação de rastreio universal e foco em intervenção precoce (linha de cuidado/nota oficial, 18 set. 2025). Serviços e Informações do Brasil+1
- Lei nº 12.764/2012 — Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Planalto+1
- BNCC — princípios curriculares e referências nacionais para alfabetização nos anos iniciais. Base Nacional Comum+1
- UNESCO — diretrizes para educação inclusiva e práticas de sala de aula centradas na participação. UNESCO Documents